sexta-feira, 7 de novembro de 2014

Até que a música nos una!

Quem me conhece sabe que não acredito que a vida se resuma a isto que conhecemos na Terra. Que, para mim, o corpo é um mero invólucro que nos guarda a alma, o espírito e, como tal, acredito que as pessoas partem mas que continuam vivas espiritualmente e que se mantém presentes na nossa vida, de uma forma ou de outra.
Perdi o meu pai a 14 de setembro. Comentei com algumas pessoas que, não sei como nem porquê, apenas chorei a sua morte quando recebi a notícia. Pela situação de doença que o meu pai vivia, sabia que essa hora ia chegar e imaginei como reagiria muitas vezes. Imaginei-me sempre a chorar baba e ranho e não foi isso que aconteceu. Tratei do funeral, escolhi a urna, as flores, informei as pessoas e as lágrimas não surgiam. Houve uma amiga que me disse vezes sem conta que não me recriminasse por isso; qua quando a hora chegasse, eu iria libertar essas lágrimas. O tempo foi passando e essas lágrimas teimavam em não cair.
Ontem, ao contrário do que tem vindo a acontecer, fui trabalhar de manhã. Abri a loja, tratei do que tinha a tratar e abri o FB. Vi, de imediato, uma publicação do Theatro Circo a anunciar para muito breve um passatempo onde iriam oferecer um convite duplo para o concerto de Gisela João, uma fadista que muito admiro. Fiquei logo em polvorosa, pois queria muito, há muito tempo, ver um concerto dela ao vivo mas, por uma razão ou por outra, isso acabava por não acontecer. Tinha até falado ao P. para irmos ver este concerto, mas feitas as contas às despesas que vamos ter, optámos por não ir. E não é que  aqui a menina ganhou o convite duplo?! Não imaginam como fiquei feliz!
E, depois, passada a emoção da vitória, comecei a pensar em como há coisas curiosas... Como gosto muito da caminha pela manhã, é o P. que costuma abrir a loja; as publicações do Theatro Circo raramente me aparecem no feed de notícias e ontem tudo isso se subverteu...
Às 21:30h lá estávamos. O P. cheio de sono e um pouco contrariado, porque "fado quer-se nas casas de fado; nestes recintos perde-se a mística toda" e eu com um sorriso de orelha a orelha. Gisela João cantou e encantou. É uma mulher-menina que parece crescer quando canta, que parece ir ao fundo de si buscar a alma fadista e que a arremessa contra nós, ora com fúrias de raiva ora com alegria de quem dança e canta um malhão.
E foi em pleno concerto que as lágrimas se soltaram e caíram, silenciosamente, pelo meu rosto enquanto estupidamente entoava os versos que ia ouvindo e sei de cor porque, tu, meu pai, me puseste a ouvir os grandes senhores do fado e me ensinaste a entender, a respeitar e a amar esse canto de tristeza que nos é tão característico, tão querido. E percebi, meu pai, que o fado nos uniu em vida e nos uniu na morte porque sei que estiveste ali comigo, porque sei, no fundo do meu ser, que foste tu quem me proporcionaste este momento. Sei que em cada nota, em cada verso tu e eu estivemos juntos novamente.



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